#9 João Gilberto em Diamantina

 

Tradução: Ânderson Arcanjo

 

Em uma série de conversas com o pesquisador e músico Wander Conceição, um dos temas sobre os quais falamos foi a bossa nova e o João Gilberto. Fiquei intrigada ao saber que João Gilberto, o pioneiro da bossa nova e um dos músicos mais influentes na história da música brasileira, havia morado em Diamantina. Na verdade, foi em Diamantina que ele desenvolveu o ritmo da bossa nova! 

 

Como o Wander está trabalhando em seu próximo livro, Desafinado - Das Cinzas da Acayaca à Bossa Nova, do qual faz parte sua pesquisa sobre o tempo de Gilberto em Diamantina, fiquei ansiosa para aprender mais sobre esse tema tão interessante. 

  

Do canto superior esquerdo e no sentido horário: eu, Wander, Luciano, Ânderson
Do canto superior esquerdo e no sentido horário: eu, Wander, Luciano, Ânderson

 

Então eu perguntei ao Wander: quando e como o João Gilberto foi para Diamantina? Que tipo de influências de Diamantina ele absorveu? 

Abaixo está o que aprendi: 

 

João Gilberto residiu em Diamantina durante dois períodos. O primeiro, de setembro de 1955 a junho de 1956; e o segundo, de agosto de 1956 a maio de 1957. Nessa época, seu cunhado era engenheiro-chefe na construção de uma rodovia entre Belo Horizonte e Diamantina, grande obra iniciada pelo então presidente Juscelino Kubitschek.   Gilberto decidiu se mudar com seu cunhado para Diamantina, nos períodos em que ele estava trabalhando nessa construção. 

 

O ambiente calmo e tranquilo de Diamantina proporcionava um espaço ideal para João Gilberto tocar seu violão. Com uma natureza tão bela ao seu redor, já era de se imaginar que ele mergulhasse nesse ambiente. No entanto, ele não era propriamente um explorador sociável; ao contrário, ficava a maior parte do tempo em casa e tocava violão no banheiro, onde a acústica era ideal para fazer música (o Wander me disse que, com o tempo e visando a um maior apelo comercial, devem ter exagerado nessa história do João Gilberto passar o tempo todo tocando no banheiro. Contudo, que ele costumava tocar no banheiro é mesmo verdade). 

 

Parece que a única pessoa que ele deixava entrar em seu “estúdio caseiro” (também conhecido como banheiro), era um homem chamado Leon, cujo apelido era Bubi. O Bubi passou a mostrar a João Gilberto alguns de seus discos de jazz, gênero desconhecido para a maioria da população local na época, e os dois fizeram amizade tendo como vínculo esses interesses musicais em comum. 

 

Com esse estilo de vida meio eremita e a solidão da voz e do violão apenas, João Gilberto inventou o ritmo da bossa nova. Essa foi a semente de uma transformação na Música Popular Brasileira e, posteriormente, a contribuição para um movimento musical que viria a ter grande influência no cenário internacional.  

 

Todavia, a bossa nova não foi apenas uma nova invenção de ritmo. Anteriormente, o Wander havia me dito que é importante considerar a bossa nova como um movimento musical que encapsulava a renovação da harmonia, do ritmo e da poesia.  O que também é interessante notar é a mudança no estilo harmônico do samba para a bossa nova. A leveza e o suingue da música não vieram apenas do ritmo e da letra, mas a harmonia também desempenhou um papel importante.No trabalho de pesquisa do Wander, ele explica que “João Gilberto desenvolveu a capacidade de inverter as posições fundamentais dos acordes básicos”, o que dá o efeito de “instabilidade e leveza como se a base harmônica da música pairasse no ar”. 

 

 

Bossa Nova – um movimento musical de renovação da harmonia, do ritmo e da poesia

 

Então, como os outros elementos da harmonia e da poesia se juntaram ao ritmo de João Gilberto? 

Quando João Gilberto saiu de Diamantina e foi para o Rio de Janeiro, ele conheceu Tom Jobim (1927 –1994) e o poeta Vinícius de Moraes (1913 - 1980). Foi o trio formado por essas três figuras que criou a bossa nova. O trabalho que eles fizeram em parceria resultou no disco Canção do Amor Demais (1958). As duas canções desse disco - Chega de Saudade e Outra Vez, em que as melodias foram compostas por Tom Jobim, a letra de Vinícius por Moraes e o ritmo por João Gilberto – tornou-se a primeira produção do movimento da bossa nova. 

  

 

Poucos meses após esse lançamento, João Gilberto gravou seu próprio disco Chega de Saudade, desta vez com sua própria voz e violão. Aqui estão a interpretação e o arranjo de João Gilberto da mesma canção, Chega de Saudade: 

 

 

Ao ouvir essas duas interpretações em sequência, fica evidente que o casamento de novo ritmo, harmonia e letra trouxe à tona o melhor do estilo de interpretação de João Gilberto – o caráter intimista, que talvez seja um reflexo do ambiente de Diamantina, a casa da invenção desse artista. 

 

A bossa nova e sua recepção em Diamantina

 

Como o Wander menciona em sua pesquisa: “A bossa nova foi uma expressão do desenvolvimento da era Juscelino Kubitscheck na arte musical”. É interessante que no fim da década de 1950, nesse período significativo de mudanças radicais no desenvolvimento político, social e cultural no Brasil, dois dos protagonistas – o João Gilberto e o presidente Juscelino Kubitscheck (que era diamantinense) - estavam intimamente ligados a Diamantina.

 

Como essas duas figuras tiveram um impacto tão grande, fiquei curiosa para saber o que estava acontecendo musicalmente em Diamantina nessa época e a recepção da bossa nova na cidade. Como as pessoas reagiram?

Respondendo a essa pergunta, o Wander me disse que a bossa nova demorou um pouco para ser bem aceita em Diamantina. Durante a década de 1950, os sons da bossa nova eram modernos demais; a maioria das músicas nessa época eram gravadas em São Paulo. Durante os anos 1960, outro gênero ganhou destaque: o rock ‘n’ roll. Com mais cantores sendo influenciados por esse gênero e 10 bandas de rock tendo sido formadas em Diamantina, parecia que não havia interesse em um estilo de música tão diferente e contrastante como a bossa nova. A aceitação veio muito mais tarde, na década de 1970. 

 

Em 2000, o Wander começou a pesquisar o patrimônio musical de Diamantina e, desde então, suas pesquisas têm dado uma importante contribuição para o academicismo e a erudição e têm conscientizado o público em geral sobre a importância da ligação entre o João Gilberto e Diamantina. Exceto pelo livro de Ruy Castro Bossa Nova: The Story of the Brazilian Music, de 2003 (versão em inglês do livro Chega de Saudade, de 1990) e a biografia João Gilberto (2002) escrita por Zuza Homem de Mello, as publicações ainda são relativamente escassas. Então tenho certeza de que o próximo livro do Wander será um acréscimo muito necessário e um recurso inestimável para públicos em todo o mundo.   Na verdade, João Gilberto é apenas uma parte do livro.   O Wander me contou que o livro vai ter cerca de 700 páginas abrangendo todas as áreas das contribuições de Diamantina para o desenvolvimento cultural do Brasil. Tenho que me esforçar para aprender português ou então acho que vou precisar pedir a alguém que publique uma tradução em inglês! 

 

Desde que fiquei sabendo da história do João Gilberto em Diamantina, venho ouvindo muitos discos de bossa nova que nunca tinha ouvido antes. Também fiquei meio viciada neste álbum, João Gilberto in Tokyo (João Gilberto em Tóquio) (2004). Talvez eu não esteja sendo imparcial (já que sou de Tóquio), mas este é um álbum extraordinário, que capta a intimidade que João Gilberto leva para o palco – talvez seja uma forma de se apresentar não muito diferente de quando ele era jovem, sentado em seu “estúdio” em Diamantina!