Tradução: Ânderson Arcanjo
Já na 3ª semana desta residência, tive a sorte de conhecer vários especialistas da música em Diamantina, do barroco, passando pelo jazz, até a bossa nova. Ainda assim, havia mais uma herança musical para eu conhecer: o chorinho, também conhecido como choro, gênero musical popular que se originou no Rio de Janeiro em meados do século XIX.
Conhecido como “o pai do samba” e “o avô da bossa nova”, o chorinho ocupa um lugar importante na história da música brasileira e na contribuição para o desenvolvimento de outros gêneros populares. Embora seus recursos possam não ter sido tão amplamente divulgados no exterior quanto o samba ou a bossa nova, suas características musicais são igualmente importantes e estão no cerne da música brasileira.
Antes dessa reunião, eu escutei várias gravações de chorinhos. Tenho que admitir que é a primeira vez que tenho contato com esse gênero musical e sou totalmente leiga no assunto! Ao ouvir pela primeira vez, achei inspiradora essa leveza na música. Porém, ao escutar com mais atenção, percebi que não é exatamente tão simples quanto a primeira impressão me fez crer que fosse. Fiquei impressionada com a complexidade de ritmos e o entrelaçamento dos instrumentos. Várias perguntas vieram à minha cabeça: quais são os aspectos fundamentais que definem o “chorinho” e como essa herança musical desenvolveu-se em Diamantina? Por sorte, tive a oportunidade de fazer essas perguntas diretamente aos especialistas em chorinho: o flautista e organista Evandro Archanjo e a Soraya Araújo Ferreira Alcântara, diretora e fundadora da Arte Miúda (ver blog #5).
Para começar, para aqueles que nunca ouviram chorinho, aqui está uma apresentação do Evandro e seu grupo:
O Chorinho em Diamantina
O Evandro iniciou a sessão explicando que em Diamantina há três principais expoentes do chorinho que têm contribuído para o resgaste e a continuidade desse gênero musical na cidade. São eles:
1) Ateliê do Choro
Evandro e a artista plástica/proprietária do ateliê, Adriana Reis, transformaram o ateliê em um local para apresentações de chorinho e em um bar. Que atmosfera artística!
2) Arte Miúda
Um dos importantes projetos que a Soraya vem realizando com a Arte Miúda, uma escola para jovens músicos, é o “Projeto Memória”, que visa arquivar e resgatar composições de chorinho em Diamantina.Iniciado há 33 anos, esse projeto já registrou em gravações e na confecção de partituras várias composições de chorinhos que, do contrário, talvez tivessem se perdido.
3) Choro Malandrinho
Um grupo que se dedica a apresentações de chorinho.
Instrumentos
Alguns dos instrumentos mais comumente usados no chorinho são:
Cavaquinho, violão, flauta, pandeiro e clarineta.
Soraya mostrou-nos o cavaquinho que ela tem em casa - tem um som bem agudo e um timbre brilhante. Ela também nos mostrou a foto do seu filho mais velho, Luís Fernando Alcântara, que toca, entre outros instrumentos, também o cavaquinho (foto abaixo) e já gravou para o Projeto Memória.
Embora esses sejam os mais comumente usados, não há regras ou requisitos definidos para a instrumentação. O Evandro me disse que nos últimos anos o acréscimo do violino tem se tornado mais comum, com violinistas como Nicolas Krassik tocando chorinho. Essa é uma boa notícia para mim! Também é bom saber que esse gênero é de espírito flexível, em que a possibilidade de exploração parece ser um espaço amplamente aberto!
Características musicais
Como a instrumentação é flexível, inevitavelmente os diferentes aspectos, como a textura, podem variar de acordo com os instrumentos. Recentemente, eu me deparei também com o “Choro” de Villa-Lobos, uma série de 14 peças inspiradas no choro e compostas para diversos instrumentos. Embora essas peças tenham sido compostas para concertos, e não no mesmo contexto tradicional, isso me fez questionar: quais são as características musicais que definem o chorinho?
Respondendo a essa pergunta, o Evandro me disse que é a “maneira de tocar”. É algo que está no espírito do povo brasileiro. Ao ver o Evandro tocando no Ateliê do Choro (no vídeo acima), fica muito claro que essa música é uma forma de criar laços sociais, que se formam quando as pessoas tocam juntas.
Embora não haja regras claras, pode haver algumas características.
Há uma estrutura comum, que é assim:
A-B-C
-Se o A for em tom menor:
-o B seria maior
-e o C seria o tom relativo de A.
O Evandro e a Soraya me falaram sobre muitos compositores interessantes desse gênero, inclusive alguns diamantinenses. Para falar detalhadamente sobre cada um deles, eu provavelmente precisaria de várias postagens no blog! Portanto, segue abaixo uma lista não exaustiva de alguns compositores famosos, assim como compositores de Diamantina.
As duas primeiras são compositoras que a Soraya tem apresentado no “Projeto Memória” a fim de arquivar as composições delas:
Conceição Reis
Pertencente à família Reis de Diamantina, ela compôs chorinho principalmente para piano. São peças de altíssimo nível que podem ser equiparadas a peças como as de Chopin e Ernesto Nazareth.
Tina Reis
Também pertencente à família Reis de Diamantina, compôs mais de 40 chorinhos especialmente para cavaquinho.
Chiquinha Gonzaga - (1847 –1935)
Compositora, pianista e primeira maestrina brasileira, Chiquinha Gonzaga desbravou o caminho em uma época em que a música não era uma profissão aceita para mulheres. Ela foi também a primeira pianista de chorinhos e autora da primeira marcha de carnaval, “Ó Abre Alas” (1899). Aqui está uma coleção de chorinhos compostos por ela:
Ernesto Júlio de Nazareth (1863 – 1934)
Compositor e pianista, foi influenciado por vários tipos de ritmos, tais como: polca, habanera e lundu. Ele combinou essas influências com a base de elementos da música clássica e criou o que chamou de “tangos brasileiros”, que dariam, então, origem aos seus chorinhos. Suas composições para piano fazem agora parte do repertório didático tanto do estilo clássico quanto do popular:
Pixinguinha
Compositor, arranjador, flautista e saxofonista. Considerado um dos mais importantes compositores da música popular brasileira, e em particular do chorinho, ele apresentou esse gênero musical a novos públicos ao combinar o tradicional chorinho do século XIX com harmonias semelhantes às do jazz contemporâneo e ritmos afro-brasileiros. Foi também um dos primeiros músicos e compositores brasileiros a utilizar novas tecnologias, como a radiodifusão e a gravação em estúdio.